Quem sabe, finalmente, a Globo deixe de tratar seu telespectador como um Hommer Simpson?
Nessa sexta -feira , primeiro dia desse março de 2013, o Facebook que tanto entulho nos traz, me levou a um link oportuno de um texto postado no site do "Observatório da Imprensa" onde Carlos Castilho pontificava de maneira clara sobre a queda de audiência do "Jornal Nacional" da rede Globo. Começava ele dizendo que nos anos 1970 e 80, o Jornal Nacional se orgulhava de ter uma média de 80% de audiência e que hoje patina nos 27% e está no quinto lugar na lista dos programas mais vistos na Globo.
Acho essa queda de audiência muito salutar não por aquele velho discurso de "o povo não é bobo, fora a rede Globo" mas talvez por ser um sinal de que as pessoas não atribuam ao JN mais aquele capacidade de oráculo inquestionável do que acontece no país. Antigamente quando alguém queria encerrar uma conversa acerca de uma notícia polêmica era só dizer : "Mas deu no Jornal Nacional" . Era fim de papo porque ninguém se atrevia a questionar o que dizia o Chapelin ou o Cid Moreira.
A mudança de status "não pode ser atribuída a alguma defasagem técnica ou concorrência de outro telejornal. A Globo continua usando o que há de mais moderno em matéria de tecnologia, mantém o maior e mais bem pago plantel de jornalistas da TV brasileira e nenhuma outra emissora consegue bater a Vênus Platinada em matéria de coberturas internacionais, de temas políticos ou econômicos, e na mobilidade das equipes de reportagem" diz a análise lúcida do Castilho. Concordo. Mas discordo quando ele diz que a explicação para a perda de audiência do JN deva-se ao fato de que os 150 milhões de brasileiros que ligam a Tv todas as noites passaram a ter um posicionamento "desconfiado, distante e cético". Não creio que a grande massa dos nossos telespectadores tenham essa percepção crítica. Creio que tenha muito mais a ver com a grande migração do telespectador para a internet, redes sociais e noticiários mais apelativos ao estilo Datena e imitadores. Os que vão para os canais fechados- mesmo os de notícia como a Globo News – são um número pouco relevante perto dos 150 milhões como podem atestar os executivos dos canais fechados que há anos se debatem para fazer o segmento crescer em maior velocidade.
O telespectador mais crítico não baixa a guarda mesmo. Sabe que ao ver JN , ler "Veja" e os jornalões estará diante de uma realidade com filtros editoriais e não da vida como ela é. Há muito a imparcialidade está morta na mídia se é que algum dia gozou de boa saúde. Pra mim sempre foi uma falácia muito embora muitos insistam nesse discurso que não convence quem tem acesso a internet e um mínimo de discernimento. Mas ainda é espantoso o número de leitores que atribuem importância desmedida a veículos tendenciosos como a Veja. Castilho aponta que hoje em dia em "qualquer conversa sobre o noticiário impresso ou audiovisual, o número de críticas sempre supera – por larga margem – a quantidade de elogios". Ok, mas como disse e repito, são muito poucos ainda os que exercem esse papel .
Também acredito que o raciocínio crítico acerca da transformação de jornalistas globais em celebridades que abrem suas casas para a revista "Caras" não tem a ver com a queda de audiência. Parte do público, começou a perceber que os entrevistados e protagonistas do noticiário estavam mais preocupados com sua imagem pessoal do que com a informação. Que os eventos cobertos estavam ligados a interesses políticos, comerciais ou econômicos. Mas só parte desse público. Tem muita gente ainda nesses 27% de audiência do JN que talvez adore saber mais da vida pessoal e do cabelo da apresentadora Patrícia Poeta do que as notícias que ela lê toda noite.
O jornalismo virou show. Isso é um triste fato que não vem de hoje. Um se fundiu no outro como encontro das águas do rio Negro com Solimões. Tanto que o tal jornalismo sensorial com repórteres aparecendo mais que a notícia, dançando, cantando , nadando e dizendo que certas comidas são "totosas" virou uma nefasta moda copiada inclusive na comunicação corporativa. Não interessa aonde o repórter esteja , interessa o que ele esteja achando do que está vendo.
De fato a imprensa raras vezes questionou esse tipo de comportamento e o crescimento do marketing pessoal, social, político e corporativo tornou mesmo inevitável que celebridades, parlamentares, governantes e executivos projetem para o público percepções que lhes sejam favoráveis. Essa é a vida como ela é. Como se para nós fosse importante saber o que um inócuo apresentador de Fantástico acha da paisagem de uma savana. Se fosse a percepção de um experiente viajante, um importante escritor ou cineasta vá lá . Mas de fato interessa ao telespectador saber o que é a vida segundo Tadeu Schmidt ???
Mas eu não quero fulanizar a discussão. Esses jornalistas todos - com exceções , lógico- se atribuem importância que não tem como podemos ver e ler quase todos os dias quando pontificam sobre tudo e todos inflados num surfe egoíco sem precedentes.O erro está sim, conforme diz o Castilho no seu texto, " no papel da imprensa, que em vez de questionar esse tipo de postura marqueteira, ou pelo menos identificar os interesses ocultos, simplesmente passou a publicar tudo o que recebia como informação, desde que fosse fornecido por fontes respeitáveis. A confiabilidade de dados e fatos deixou de estar atrelada a uma checagem jornalística para ficar pendente do status da fonte. Os jornais, revistas e telejornais se preocuparam mais com os formadores de opinião e tomadores de decisões do que com o público, que foi aos poucos perdendo a confiança naquilo que lhe era oferecido como sendo a verdade dos fatos.". Entre as últimas aspas está de novo um raciocínio muito bem fundamentado. Mas é percepção de poucos, insisto.
Enquanto não tivermos pesquisas sérias para saber o que acontece com o comportamento do telespectador brasileiro acerca do telejornalismo nativo creio que vamos ficar no terreno das especulações. Fato é que se percebe sim no geral um ceticismo crescente sobretudo entre jovens em relação ao noticiário corrente.Eles não estão nem um pouco preocupados em ver as madeixas da Patrícia Poeta. Urge pois uma revisão das estratégias editoriais que coloquem na frente os interesses do público e não das empresas jornalísticas. Mas isso é possível num país polarizado entre o Fla-Flu ideológico de petistas e tucanos com os apêndices sempre fisiológicos do nefasto PMDB ? Como diz o clichê, quem viver verá. Mesmo que a " classe C" não tenha a consciência crítica que o Carlos Castilho supõe que ela tenha eles e muitos mais vão deixando de ver o JN o que é salutar. Talvez assim os pensadores do jornalismo da rede Globo e o próprio "editor-chefe" Bonner que tratou sempre seu telespectador como um Hommer Simpson parem para pensar um pouco. A consciência crítica pode não ser um atributo da massa mas ela também quer biscoito fino que pode sim ser consumido com um clique do "mouse" na Internet que traz outras referências além da chatice formal , protocolar e dirigida do Jornal Nacional.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor e jornalista. Titular do blog Todo Prosa em www.todoprosa.blogspot.com . Escreve todos os dias também o Diario do Anonimato do Mundo em www.revistapessoa.com
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