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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um novo ciclo de lutas populares

As massas que saem às ruas podem acabar com um governo que se colocou a serviço do capital



Por Atilio Boron*

As grandes manifestações populares de protesto no Brasil derrubaram, na prática, uma premissa cultivada pela direita e assumida também por diversas organizações de esquerda – começando pelo PT e permanecendo com seus aliados: caso fosse garantido "pão e circo" ao povo – desorganizado, despolitizado, decepcionado com dez anos de governo petista – este aceitaria mansamente que a aliança entre as velhas e as novas oligarquias prosseguisse governando sem maiores sobressaltos.

A continuidade e eficácia do programa "Bolsa Família" assegurava o pão. A Copa do Mundo e seu prelúdio, a Copa das Confederações, e depois os Jogos Olímpicos, garantiriam o circo necessário para consolidar a passividade política dos brasileiros. Esta visão, não só equivocada como profundamente reacionária (e quase sempre racista) ficou destruída nestes dias, o que revela a curta memória histórica e o perigoso autismo da classe dominante e seus representantes políticos ao esquecerem que o povo brasileiro soube ser protagonista de grandes jornadas de luta e que seus períodos de apatia e passividade alternaram com episódios de súbita mobilização, que ultrapassaram os estreitos marcos oligárquicos de um estado apenas superficialmente democrático.

Basta recordar as múltiplas mobilizações populares que impuseram a eleição direta do presidente em começo dos anos oitenta, as que precipitaram a renúncia de Fernando Collor de Mello em 1992 e a onda ascendente de lutas populares que fizeram possível a vitória de Lula no ano de 2002. A apatia posterior, fomentada por um governo que optou por governar com e para os ricos e poderosos, criou a errônea impressão de que a expansão do consumo de um amplo estrato do universo popular era suficiente para garantir indefinidamente o consenso social.

A lentidão da resposta

Uma péssima sociologia se combinou com a traidora arrogância de uma tecnocracia estatal que, ao embotar a memória, fez com que os acontecimentos desta semana fossem tão surpreendentes quanto um raio em um dia de céu azul. A surpresa emudeceu uma direção política de discurso fácil e sensacionalista, que não podia compreender – e muito menos conter – o tsunami político que irrompia nada menos que em meio dos gastos futebolistas da Copa das Confederações. Foi notável a lentidão da resposta governamental, desde as prefeituras municipais até os governos estaduais e o próprio governo federal.

Especialistas e analistas vinculados ao governo agora insistem em colocar sob a lupa estas manifestações, assinalando seu caráter caótico, sua falta de liderança, a ausência de um projeto político de reforma. Seria melhor que, em lugar de exaltar as virtudes de um fantasioso “pós-neoliberalismo” de Brasília e de pensar que o ocorrido tem a ver com a falta de políticas governamentais para um novo ator social, a juventude, dirigirem seu olhar para os déficits da gestão governamental do PT e seus aliados com uma ampla gama de temas cruciais para o bem-estar da cidadania.

Defender que os protestos foram causados pelo aumento de 20 centavos de real do transporte público de São Paulo é o mesmo que, dadas as distâncias, afirmar que a Revolução Francesa ocorreu porque, como é sabido, algumas padarias da zona da Bastilha tinham aumentado em uns poucos centavos o preço do pão. Estes propagandistas confundem o detonante da rebelião popular com as causas profundas que a provocam, que dizem respeito à enorme dívida social da democracia brasileira, apenas atenuada nos últimos anos do governo Lula.

Combinação explosiva

O disparador, o aumento no preço da passagem do transporte urbano, teve eficácia porque, segundo alguns cálculos, para um trabalhador que ganha apenas o salário mínimo em São Paulo, o custo diário com transporte para chegar a seu trabalho equivale a pouco mais que a quarta parte de sua renda. Porém, este só conseguiu desencadear esta onda de protestos porque se combinava com a péssima situação dos serviços de saúde pública; o viés classista e racista do acesso à educação; a corrupção governamental (um indicador: a presidenta Dilma Rousseff trocou vários ministros por este motivo), a ferocidade repressiva imprópria de um estado que se proclama democrático e a arrogância tecnocrática dos governantes, em todos os seus níveis, ante as demandas populares que são desconsideradas sistematicamente: caso da reforma da previdência social, ou da paralisada Reforma Agrária ou das reivindicações dos povos originários ante as construções de grandes represas na Amazônia. Com estas questões pendentes, falar de “pós-neoliberalismo” revela, no melhor dos casos, indolência do espírito crítico; no pior, uma deplorável submissão incondicional ao discurso oficial.

À explosiva combinação acima assinalada é preciso somar o crescente abismo que separa a cidadania comum da partidocracia governante, incessante tecedora de toda sorte de inescrupulosas alianças e transformismos sem escrúpulos, que burlam a vontade do eleitorado, sacrificando identidades partidárias e afiliações ideológicas. Não por acaso todas as manifestações expressavam seu repúdio aos partidos políticos. Um indicador do custo fenomenal dessa partidocracia – que retira recursos do tesouro público que poderiam destinar-se ao investimento social – está dado pelo que no Brasil se denomina Fundo Partidário, que financia a manutenção de uma máquina meramente eleitoreira e que nada tem a ver com esse "princípio coletivo", sintetizador da vontade nacional-popular do qual fala Antonio Gramsci.

* Análise do cientista político e sociólogo Atilio A. Boron, em artigo publicado no sítio do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A tradução é do próprio PCB.

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