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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Querido traidor

Snowden nada mais fez que tornar públicas informações que sua consciência não lhe permitiu ocultar

 
Revelações arruinam imagem de Obama (Foto: Arquivo)
 
Por Marco Lacerda*

Pode-se afirmar, sem medo de errar, que se Edward Snowden não tivesse tornado públicos os programas de espionagem dos Estados Unidos, o mundo jamais tomaria conhecimento desse escândalo e tudo continuaria a ser praticado pelas nossas costas. Graças a um raro momento de coragem e idealismo, hoje conhecemos verdades até então ocultas.

Noutras palavras, graças a esse jovem administrador de sistema e ex-agente da CIA, de 30 anos, hoje conhecemos detalhes desse caso abominável de invasão de privacidade. Se quisermos, podemos combatê-la e, em última análise – com persistência e sorte – talvez possamos abortá-la. O mérito é todo de Snowden, é importante reconhecer.

"Eu acredito no princípio declarado em Nuremberg em 1945: ‘Indivíduos têm um dever internacional, que transcende as obrigações nacionais de obediência. Portanto, cidadãos têm o dever de violar leis domésticas para prevenir crimes contra a paz e a humanidade’", disse ele em entrevista.
Duas das conseqüências do gesto desse rapaz : arruinou, talvez definitivamente, o prestígio de Barack Obama na Europa e devolveu a imagem dos EUA ao desmoralizante patamar que alcançou nos anos da invasão do Irak. Estes são preços que pagam com prazer os indiferentes ao futuro do presidente norte-americano e ao papel internacional dos Estados Unidos.

Vale lembrar que Snowden não é responsável por tudo. Posta de lado a culpa que lhe cabe segundo as leis do seu país, sua responsabilidade moral termina no momento em que tornou públicas informações que sua consciência não lhe permitia ocultar por mais tempo.

O que poderia ter ocorrido se Snowden de fato estivesse no avião do presidente boliviano Evo Morales que partira de Moscou de volta para casa? Teriam retido o avião em Viena, onde fez um pouso de emergência para reabastecimento? Invadiriam uma aeronave soberana para seqüestrar o informante. Em tempos coloniais um frade espanhol se explicava em carta a um colega por ter dado ordens para cortar as orelhas de um indígena: “Ele era indócil ao império da minha voz”.

Foi o que aconteceu: um corte simbólico das orelhas de Evo Morales por sua insubordinação aos ditames dos impérios do nosso tempo. E por certo têm razão os países sulamericanos em interpretar o ocorrido com Morales como um ato intimidatório. Só que este é um caso típico do tiro que saiu pela culatra. Como aconteceu com Horácio na Roma antiga: advertiram-no de que não seria uma espada nem uma tosse que acabaria com ele, mas um “charlatão”. De forma semelhante quem está arruinando a até bem pouco irretocável credibilidade de Barack Obama é um mero hacker.

Até agora Obama era capaz de encantar o mundo com palavras que pareciam fluir sinceramente de sua boca. Infelizmente, as palavras mais sinceras agora são proferidas pela boca de Edward Snowden. Ele subverteu o sentido da palavra traição. Apenas cumpriu seu dever de cidadão e não deveria necessitar de asilo em lugar nenhum. A verdade, porém, é bem outra. O caso Snowden é uma prova contundente de que os mandatários desses tempos chutaram a ética para escanteio e que já não existem mais cidadãos, apenas suspeitos.
 
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor-Especial do DomTotal

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