A década de 1990 viu surgir novos movimentos sociais vinculados “à deterioração do meio ambiente, ao uso e abuso da água por parte de determinados setores, a problemas de poluição resultantes da exploração mineral a céu aberto. Estas demandas são diferentes daquelas que tradicionalmente estamos acostumados a ver; por isso, os chamados territórios da modernização, onde as reivindicações têm características mais universais e menos pessoais”, diz Mabel Manzanal, doutora em Geografia e economista pela Universidade de Buenos Aires.Confira a entrevista:
Seu plano de pesquisa é sobre território e poder na globalização, certo?
Sim. Nos últimos dez anos estive trabalhando com isso. Quando se analisa a problemática do desenvolvimento, sempre há questões espaciais presentes. No último período, a questão do território vem pisando forte, tanto do lado da política como do lado da academia. Fala-se muito de desenvolvimento territorial. De algum modo, nossas pesquisas tratam de desmistificar essa associação virtuosa entre desenvolvimento e território.
O que chama de “desenvolvimento territorial”?
Se nós compararmos com outros momentos da história da Argentina, na época do planejamento se falava em desenvolvimento regional. Hoje se chama desenvolvimento territorial ao desenvolvimento de determinados lugares que podem surgir não tanto do Estado, mas dos atores locais.
Por exemplo?
Os exemplos vêm da experiência do norte da Itália, onde se fala do desenvolvimento de grupos de empresas médias que têm capacidade competitiva e se colocam nos mercados de maneira muito eficiente. Isso se tenta transladar aos espaços de nosso terceiro mundo. Um exemplo é Rafaela, onde haveria uma confluência de empresas, de atividade industrial e agropecuária muito dinâmica. A condição para que se produza desenvolvimento territorial é que os atores tenham uma capacidade diferencial em relação a outros atores e por sua vez a capacidade de gerar exportações, isto é, de ser competitivos internacionalmente. Aqueles territórios que não são competitivos internacionalmente ficam fora do desenvolvimento territorial. E na Argentina, a maioria dos territórios é assim.
E o que especificamente você faz?
Nós estudamos em profundidade quais são as relações de poder e quais são as contradições que se apresentam nas políticas públicas e no próprio processo de globalização que de algum modo avança sobre os territórios buscando essas oportunidades diferenciais e os transforma. E costuma acontecer que muitos dos sujeitos que estão nestes territórios não querem sofrer esse tipo de transformação. Por exemplo, temos o caso da Quebrada de Humahuaca. Foi declarado Patrimônio Histórico da Humanidade e, por isso, confluem duas propostas: uma de turismo internacional e outra de desenvolvimento rural para a população do lugar. Esta população se vê incluída nos dois modelos.
E o que acontece ali? Alguns atores deverão vender suas terras... o que fazem? Vão para a cidade?
Isso acontece. Há pessoas que vendem a terra porque não são competitivos nos mercados que vão se abrindo, não têm condições para produzir o tipo de alimento que os melhores hotéis da zona querem. Então, às vezes, acontece isso: há uma grande quantidade de pequenos produtores que, segundo os últimos dois censos, desapareceram.
E o que vai acontecer com tudo isso? É possível resistir à globalização, esse monstro grande que pisa forte? Um professor de San Francisco me contava que quando conseguiram uma televisão para toda a comunidade, o efeito foi devastador: todo o mundo foi embora.
Claro. Porque veem imagens de facilidades que acreditam existirem nas cidades, um acesso ao consumo que eles não têm. De qualquer modo, isto não se muda simplesmente com computadores e televisores, mas com processos que levem em conta as características culturais dessas pessoas, com uma educação que possivelmente não seja a que estão recebendo. Há outro exemplo, que é o caso de Misiones, uma província com grande população de pequenos produtores. Enquanto houve terra pública, os processos de colonização pública foram dando terras. Mas há vários anos se ficou sem terra pública. Então começou a se produzir um processo de avanço e de ocupação de terras privadas no nordeste de Misiones. Eram terras praticamente abandonadas, fruto do desmatamento e praticamente improdutivas se não fosse pelas novas tecnologias.
Esse é o velho problema da terra?
Sim. Agora adquiriram um novo valor. Entre os proprietários e os ocupantes se produz uma situação de conflito que leva, entre outras coisas, à formulação de uma lei de fixação e colonização, que determinava a expropriação de algumas parcelas. É uma lei que supostamente favorecia os ocupantes, mas as terras até agora não lhes foram dadas. Alguns grupos têm consciência do que está acontecendo e propõem modelos que não são nem os do governo nem os da globalização: querem ter suas próprias escolas.
Não vou dizer que seja maioria, mas há algumas redes de grupos organizados de pessoas que se mobilizam (seja pela água, pelo meio ambiente, pela terra). Eles defendem que tudo o que lhes vem do próprio Estado ou de muitas ONGs é um modelo que não está de acordo com o que eles necessitam. E eles, então, buscam outra saída, como, por exemplo, a educação alternativa às instituições (que, segundo dizem, perpetua a dominação). Esses casos existem.
Os territórios de que falamos são territórios da globalização, da modernidade e da descentralização. Eu vejo os territórios como um lugar onde se visualiza de maneira direta muitas das contradições do modelo, das propostas, da aplicação das diferentes normas e leis. Estes territórios, quando se olha para eles com lupa, são territórios atravessados pela globalização, pelas novas propostas e pela descentralização, que é uma proposta do modelo neoliberal. São territórios da modernidade como tal e enquanto tudo isto que atravessa as propostas neoliberais, a globalização, a centralização, vem com uma contrapartida: aparecem novos movimentos sociais, atores com demandas diferentes daquelas que nós tradicionalmente conhecemos.
Por exemplo...
Nos anos 90 começam a aparecer movimentos de reivindicação que não estão vinculados com o produtivo (que é o modelo clássico das reivindicações: por terra, melhores salários, etc.). Estão vinculados, ao contrário, com demandas associativas vinculadas à deterioração do meio ambiente, ao uso e abuso da água por parte de determinados setores, a problemas de poluição resultantes da exploração mineral a céu aberto. Estas demandas são diferentes daquelas que tradicionalmente estamos acostumados a ver; por isso, os chamados territórios da modernização, onde as reivindicações têm características mais universais e menos pessoais. Não estou lutando pelo meu salário, mas por questões mais globais. É preciso ver, então, duas coisas: o avanço do poder dominante e hegemônico, que vai destruindo as populações tradicionais, mas também a reação destas populações tradicionais.
* A entrevista de Leonardo Moledo foi publicada no jornal argentino Página/12. A tradução é do Cepat.
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