Aqui vou expor fatos corriqueiros de meu dia a dia.
Notícias e textos de cunho religioso.
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Hoje é um dia importante para os boleiros de todo o planeta. A FIFA vai sortear os oito grupos da Copa do Mundo. O sorteio começa às 14h ...
quarta-feira, 11 de abril de 2012
No meio do caminho tinha uma pedra
Por Marco Lacerda
As pedras de crack deixam as periferias mal vestidas, invadem, escravizam e matam sem piedade no mundo de ricos e famosos como a cantora Whitney Houston (acima,antes e depois do vício).
O álcool foi o único rival que conseguiu parar o "anjo das pernas tortas". Garrincha morreu alcoolizado, em 1983, vítima de cirrose, sem reconhecer os amigos que o visitavam no hospital. O ator Michael Douglas já assumiu publicamente sua dependência de sexo. A jornalista Fabiana Scaranzi se diz viciada em chocolate, não em rúcula como seria de se esperar de uma ex-modelo. O ex-jogador Paulo César Caju confessa ter gastado em cocaína toda a fortuna que acumulou. A atriz Drew Barrymore se alcoolizou pela primeira vez quando tinha nove anos e não parou mais até ser internada numa clínica à beira de uma cirrose hepática.Depois que ficou famosa, Marilyn Monroe não conseguia dormir sem quantidades exageradas de tranqüilizantes, até que uma overdose – intencional ou não – a matou aos 36 anos.
Nenhuma droga, porém, tem efeito tão devastador quanto o crack, nem causa dependência tão feroz. O crack não degrada apenas o usuário, atinge familiares e amigos, que se tornam co-dependentes do vício. Da mesma maneira que relações problemáticas em casa podem motivar um refúgio nas drogas, famílias bem constituídas, que se imaginavam longe dessa realidade, estão agora sujeitas aos seus flagelos.
Sentindo-se culpados, pais, mães e irmãos passam a aceitar ações violentas e a viver em permanente alerta, condicionando seu estado de espírito ao do usuário. O superenvolvimento com a dependência mascara a visualização de soluções e, não raro, parentes se sujeitam a atos extremos, como acertar dívidas com traficantes, por medo de represálias.
Poço sem fundo
Na internet abundam relatos sobre os que cairam nessa armadilha e acabaram sendo tragados por um buraco negro. "Imagina, eu e meu assistente trancados no banheiro do meu consultório, fumando crack. Era uma loucura”, conta o dentista Fernando (nome fictício). O consumo de crack foi o ápice de uma relação com substâncias químicas que começou cedo. Aos oito anos, Fernando tomava injeções de adrenalina para conter crises de bronquite. O tempo não o ajudou a desenvolver tolerância às crise de abstinência. "O organismo pedia. Se eu não tomasse a injeção, sentia falta de ar”.
Na adolescência Fernando começou a beber, fumar maconha e experimentar outras substâncias. Tímido e isolado, as drogas eram sua maneira interagir na sociedade. Apesar da dependência, o dentista se formou, deu aulas numa faculdade e foi trabalhar em um consultório, onde começou a usar crack e a perder o controle sobre o vício. Ele conta que passava mal e, durante as crises, rezava e prometia que iria parar. Mas, ao se recuperar, voltava ao consumo.
A família o internou em uma clínica, onde ele ficou 65 dias, livrou-se do vício e passou a freqüentar o Narcóticos Anônimos. Fernando diz ter reencontrado a tranqüilidade, mas não se considera curado. "Uma vez dependente, sempre dependente. Sinto que isso vai me perseguir pelo resto da vida”, lamenta.
A história de Fernando é apenas mais uma no fabulário do submundo das drogas onde o horror é um companheiro fiel. “Adoeci mais do que o meu filho. Fiquei completamente fora de controle. Pegava meu carro, ia atrás dele de madrugada, brigava com traficantes. Cometi muita loucura”, diz a mineira Marcela (nome fictício), 37 anos, mãe de um jovem de 17, que começou a usar crack aos 13.
A droga da morte
A calvário de Marcela é um retrato nítido do drama vivido por muitas famílias de classe média, supostamente à prova de crack. No início dos anos 1990, quando o consumo explodiu, era um vício exclusivo de pobres e moradores de rua. Nos últimos tempos, entretanto, a pedra tem subido degraus na escala social e espalhado seus sinais devastadores por toda parte. Católica praticante, Marcela é casada, tem uma renda estável e os três filhos estudam em escolas particulares.
“Tínhamos uma vida tranquila quando, de repente, traficantes começaram a chegar na minha casa, armados, para cobrar dívidas do meu filho. Por medo, e também vergonha dos vizinhos, eu pagava. Meu menino dizia que não haveria próxima vez, mas sempre tinha”, lembra Marcela entre lágrimas.“Foi uma luta sem trégua eu enxergar o problema. Pode acontecer com todo mundo, menos com a gente. Hoje vejo que meu filho deve ter buscado a droga porque eu não dei atenção nem estabeleci limites dentro de casa”, conclui.
Ana, 65, é uma paulista de classe média que passou por situação semelhante. Há 18 anos ela batalha contra o vício do filho, de 33. Ana, o marido e os dois filhos mais jovens se viram forçados a vivenciar o mundo do crack por três anos. “Estive duas vezes em ‘bocas’para pagar débitos do meu filho, com medo de que ele fosse morto”, conta. Ela bancava pelo menos R$ 2 mil por mês para que o filho mantivesse o vício sem precisar recorrer ao crime nas crises de abstinência. Mas, a certa altura, esse valor já não custeava as necessidades dele e o rapaz começou a prestar serviços a um traficante.
“A maior parte do dinheiro que eu precisava, conseguia em rolos com droga, vendendo, ajudando a fazer. Virava a noite vendendo e usando, só parava quando o corpo já não agüentava”, confessa o rapaz.
Ilegal, barato, letal
Especialistas acreditam que, para vencer a dependência, não apenas o usuário, mas a família precisa de recuperação. Uma das redes de apoio mais conhecidas é a da organização Amor-Exigente, com 500 grupos espalhados pelo país. Em 2003, o crack representava 25% dos pedidos de ajuda. Hoje, a pedra é a motivação de 73% dos chamados. Os americanos gastaram um total de US 35 bilhões em cocaína no ano 2000, a maior parte da qual foi transformados em crack. Como enfrentar concorrência tão desleal?
O crack é obtido a partir da “merla”, uma variação da pasta de coca, subproduto do processamento das folhas da droga, para produção de cocaína. O uso de cocaína por via intravenosa foi quase extinto no Brasil, substituído pelo crack, que provoca efeito semelhante e é tão potente quanto a cocaína injetada. Os efeitos psicológicos são euforia, sensação de poder e aumento da auto-estima.
Por que crack? A palavra "crack" vem do som que a pedra de cristal faz quando é aquecida no cachimbo. Esse som é causado por um de seus componentes, o bicarbonato de sódio. O crack eleva a temperatura corporal, podendo levar o usuário a um acidente vascular cerebral. A droga também causa destruição de neurônios e provoca no dependente a degeneração dos músculos do corpo, o que provoca aquela aparência esquelética da pessoa: ossos da face salientes, braços e pernas ficam finos e costelas aparentes.
O uso do crack – e sua potente dependência – frequentemente leva o consumidor à prática de delitos para obter a droga. Estudos relacionam a ascensão do crack como droga circulante no Brasil ao aumento da criminalidade e da prostituição entre jovens, com o objetivo de financiar o vício. Na periferia da cidade de São Paulo, por exemplo, jovens prostitutas viciadas em crack são o nicho de maior crescimento da Aids no Brasil.
Devolvam o meu zumbi
Ao saber que eu estava escrevendo uma reportagem sobre o assunto, um pai que prefere manter-se anônimo, em nome da segurança do filho, me enviou a seguinte mensagem por email:
"Falo, antes de tudo, como cidadão. Temos uma epidemia assolando nossa juventude e até nossos idosos. Trata-se do crack. Talvez algum de vocês seja usuário e ainda esteja no controle, mas ele é precário. Existem decretos do governo e promessas de encaminhamento de soluções, mas nada está sendo feito".
"Se você precisar internar um ente querido, para proteção dele, não conseguirá. Adictos não são considerados doentes psiquiátricos e dão muito trabalho, são muito fissurados. Mas desenvolvem paranóias horríveis. Precisamos de uma mobilização para aparelhar o estado e nos ajudar a recuperar nossos zumbis, que nada deixam a desejar aos filmes de horror".
"Não há como abandonar nossos entes queridos neste caminho sem volta".
Dos muitos relatos lidos e ouvidos para a realização desta reportagem o mais chocante talvez seja o da curitibana Helena: “Meu filho chegou a vender as bonecas da filha para comprar crack. Quando não pode mais pagar as dívidas acumuladas, não houve perdão para ele. Seu corpo foi encontrado perfurado de balas numa periferia de Curitiba”, recorda Helena. “É muito duro para uma mãe ir recolher o corpo de um filho jogado na rua, morto de maneira tão descarnada. Apesar da dor, me sinto aliviada”.
Já se foi o tempo em que crack era uma droga de periferias e morros mal vestidos. A cracolândia expandiu suas fronteiras, atravessou mares e continentes até chegar ao primeiro mundo, onde, como de costume, vem deixando marcas indeléveis. A última delas chocou o planeta em janeiro passado, ao cobrar a vida da cantora Whitney Houston, calando para sempre uma das vozes mais belas que o mundo já conheceu. Tinha uma pedra no meio do caminho.
Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.
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